sábado, 1 de dezembro de 2012

O CHORO DO PÁSSARO



 Após sua passagem pelas quedas de água da fúria algo acendeu em seu intimo. Passou a viajar com o espirito acesso de serenidade. Um contraste aguçado pelo vento forte lhe soprando as vestes. Andou algumas horas sem rumo exato. Sobreviveria facilmente naquele lugar uma vida inteira se assim desejasse, era farto e fértil. Suas habilidades de caça lhe dariam recursos além do necessário.
O sol ainda alto lhe batia à face esquerda ofuscando parte de sua visão quando ouviu ao longe um som estranho. Jamais ouvira nada parecido. O gemido lembrava o choro de um pássaro grande numa melodia fora do comum. O volume intenso intercalava-se com pequenos silêncios rápidos, formando algo tão lindo quando a cantiga dos antigos que ouvia em sua terra natal. Aproximou-se curioso. Nunca havia ouvido um som tão esplendoroso e ritmado na vida. A musica dos antigos era triste e marcial, envolvida em cerimônias lentas e veneráveis. Esta era rápida e alegre.
Então incontáveis baques surdos romperam ao chão. Os choques seguiam a musica do choro do pássaro. Ainda não conseguia ver, pois tudo estava dentro de uma mata ao lado da estrada. Esqueceu da estrada, da cachoeira, dos campos tristes do sol, de sua jornada e ficou encantado enquanto ouvia a mais bela sinfonia existente.
Parou de solavanco junto do silêncio. Tudo emudecera e ele ficou afoito por saber qual a origem da melodia agora morta. Ao dar seu primeiro passo decidido em investigar a situação, o som retornou envolvente. Várias palmas marcaram um ritmo frenético que recomeçara. E o pássaro que gemia e chorava para alegria dos demais estava agora furioso em seu canto. Piava agudo trocando a intensidade do som rapidamente, acompanhado pelas palmas frenéticas de umas dez pessoas. Já podia ouvir risos e conversas. Apurou o passo puxado pela música e pela curiosidade. O sol novamente encheu sua vista quando saiu numa clareira larga onde muitas pessoas dançavam e bebiam.
Deitado confortável em almofadas postas a beira de um grande barril, com roupas extravagantes num tom verde musgo um homem magro e narigudo apertava e beijava um pedaço roliço de madeira com alguns furos produzindo o gemido do pássaro e as pessoas a sua volta riam e bebiam animadas. Não eram muitas e não pareciam preocupar-se com os perigos da floresta ou do mundo.
A melodia um pouco mais calma tranquilizou seu espirito. O senhor narigudo tinha longos cabelos brancos e falava através da madeira que beijava diretamente à alma dos presentes.
Observou atento os movimentos dos dedos do homem. E sentou-se para descansar ao seu lado quando novamente a música acelerou e ele foi arrastado para o meio dos demais. Uma mulher estranha lhe agarrou pelo braço e jogou-o rodopiando para o centro da roda. A musica preenchia de sentido e significado algo que pareceria loucura para qualquer um. Homens e mulheres girava e pulavam, balançavam os braços acenando e rindo. Ele apenas deixou-se levar. Esteve livre por alguns instantes, livre em seu interior profundo. Mesmo sendo controlado pelos dedos do homem deitado, aquela sequencia de fatos o deixou feliz, aliviado e livre.
Saiu da roda de dança tonto e caiu ao pé de uma arvore. Dormiu feliz sem mesmo dizer palavra a nenhum presente. E sonhou coisas belas em seu leito de madeira e grama tão confortável quanto os aposentos de qualquer rei.