quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Contos do Norte


Inicio a postagem de contos sequenciais que escrevi. Tenciono voltar a escrevê-los. Vou postar aqui para suas críticas e sugestões, reunir forças para dar continuidade. Abraço. 

INTRO

O pequeno é capaz de feitos tais que a própria terra dividir-se-ia em duas. O poder é algo tão tênue e subjetivo, transcende a força ou tamanho. Mescla rigor nas palavras e precisão nas ações. Conto a história de um ser assim.

I - PASSADO NEGRO

A neve não seca apenas as faias nas terras ao norte do mundo. Qualquer vontade fraqueja no espesso dilúvio congelado cinzento que corre a esmagar o florescer da vida. Nada mais justo de a água, mãe da existência, tenha o direito de ser carrasco em terras malditas. Nenhuma esperança penetra na nevasca, não há caça além de meio dia de caminhada neve adentro.
Nos ermos ao norte do mundo um continente de gelo bota limite na terra dos homens. Ventos de navalha sopram e a solidão congela o coração do viajante antes do ar seus dedos. Um lugar infernal, intransponível, inabitável. 
Todas as alcatéias já seguiram seu instinto migrando para o sul e nesse tempo um pequeno grupo de larápios fazia abrigo nas bordas do terreno de gelo árido surpreendendo os lobos cansados. Os fortes animais foram escravizados e corrompidos pela vileza de rufiões, desonrados e assassinos daquela região. Tanto homens quanto lobos tornaram-se animalescos.
Afloraram suas bestas interiores as feras em comunhão. Aterrorizaram todo um país. Nada os desafiava. Tinham estatura baixa e alguns até montavam seus lobos. Ferozes, carniceiros e sedentos. Não seguiam líder ou lei. Endureciam sua conduta mais e mais ao ponto de serem frios como a neve e firmes como a espada. Não há cura para o ferimento de uma lamina fora da lei, apenas outra força maior poria fim às desgraças daquela época.
Alguns heróis fizeram nome lutando, mas viraram mártir antes de exterminar o mal dos homens lobo. Campanhas foram feitas, cercos, ataques. As investidas tornavam comum a brutalidade. Em todas as terras a vida perdia o valor.
O medo inunda os povoados. Cada objeto de valor carrega uma aura malogra. Músicas monotemáticas falam de morte. Quilômetros de cercas brotam da terra, jaulas, fossos, armas. Em nome da paz e da defesa desenvolver-se-ia alta cultura bélica, de ambos os lados. Fornalhas coravam a terra, fumaças borravam os céus, a procura dos metais rachava montanhas. O inverno e a noite, antes exaltados pela poesia, agora usados como tática militar. Dias tristes. As garras desse tempo negro deixariam sequelas na humanidade para além de muitos séculos.
O tempo, contudo, trouxe longas barbas às faces dos homens do norte e canseira a seus lobos. Mas o mal já havia sido feito. Na batalha, às margens da nevasca, onde o ultimo lobo debandou e o ultimo assassino respirou uma criança nasceu. Ninguém saberia de sua existência pelos próximos anos. Era filho bastardo de um cavaleiro com uma escrava do norte. Foi o espólio da guerra. O mestiço. E lá, na beira da neve interminável abandonado. Sua mãe não viu seu rosto e seu pai nem soube de sua existência. Muito se especula sobre sua infância. Foi abandonado, criança, e o único fato conhecido é que sobreviveu. Não tinha tamanho, mas era gigante em fúria. Um espírito vibrante, olhos azuis vivos e penetrantes e pele branca como a neve.