O
comerciante não tinha habilidades de rastreamento, todavia seu raciocínio
apurado e conhecimento da região o levou até a próxima vila. No vale entre
montanhas verdes e tímidas. Um lugar de trabalhadores campestres, mineiros e
truculentos seres de índole questionável e paciência variável. O jovem não
poderia ter chegado ainda à cidade, estava a pé e não conhecia os perigos da
estrada. Ouviu há alguns dias sobre uma besta solta as redondezas com a cabeça a
prêmio. Os relatos brutais beiravam o absurdo se pouco daquilo fosse verdade
talvez tivesse de voltar o caminho e procurar à beira das estradas restos
brancos e insípidos de carne morta.
Com
cuidado extra fez o caminho mais curto em um dia e meio chegando à estalagem da
cidadela pouco antes do fim da tarde. Estava faminto e cansado. Trocou algumas
palavras com o estalajadeiro e nenhuma notícia do viajante obteve. Como suspeitava,
ele ainda não haveria de ter chegado. Teria tempo para bolar uma emboscada.
Pensou em espalhar a má reputação do viajante e esperar sua captura, depois
apenas pegaria sua lamina como troféu e regressaria. Não, aquele devia ser seu
trunfo. Apenas seu.
Com a prata da lua alta e turvada por folhas de antigas ávores, aguardava a fumaça áspera de seu cachimbo lhe clarear a mente quando
ouviu rumores de um grupo de ladrões passando na região. Ladrões são boa fonte
de mercadoria. Talvez os procurasse.
Estava
em pé, alto, chapéu de grandes abas e cachimbo em mãos, num ambiente com o vento entrando apertado pelas duras janelas e frestas da madeira torta, caminhando
em direção a porta ouviu outro relato do ataque da besta sem nome. Sentiu a
alma esfriar enquanto parava e voltava sua atenção a um garoto maltrapilho
pálido de medo. As conversas na estalagem silenciaram conforme o menino falava.
Homens sujos, com grossas barbas e poucas maneiras emudeceram frente ao menino
sentado próximo ao balcão. Trêmulo falava rápido demais causando horripilante
impressão. Disse ver antigos escritos sobre uma pedra ao lado dos restos de um
cadáver rasgado na estrada do sul. O corpo, próximo a uma arvore partida, tinha
lascas grossas de casca de madeira cravada nos olhos e o tórax aberto por um
golpe vertical com garras. O golpe não deve ter sido rápido ou profundo o
suficiente para matar instantaneamente, pois além do sangue no
cadáver, boa quantidade de urina e fezes apodreciam no local. O garoto desmaiou
após se aproximar e ver as vísceras da vitima ao chão formando letras. O forte
cheiro lhe devolveu a consciência então correu como pode de volta a vila. O
horror impediu de identificar qualquer palavra escrita, seja na pedra de sangue
ou no chão de tripas.
Um
grupo de homens sacou as armas e partiu em direção à estrada sul. Talvez pela
recompensa ou pela curiosidade de testar a história, foram. Voltou o
comerciante e sentou novamente para aguardar o retorno da armada.
Gostaria de saber a verdade sobre o caso ou contrataria o garoto por inventar
histórias excelentes.
Sua
sorte diminuía. Ladrões e uma fera vagando ao redor de seu alvo. Se qualquer um
encontrasse-o antes seria mais difícil adquirir a lâmina e não teria seu
desforro.
***
O
Conselho dos Nove era velho e familiarizado com as barbáries da floresta. Detinham
conhecimento suficiente para reconhecer prontamente mentiras cabulosas,
delírios ou fatos hiperbólicos. Todo assunto trazido ao conselho chegava afundado
em exagerações. Extraindo-se adjetivos nefastos com perguntas simples era
possível polir as idéias. Porém, poucos adjetivos caíram sobre as
historias do ser da floresta sem lei. Isso preocupou alguns conselheiros.
Ninguém
sabia ao certo a identidade dos que ali ocupavam poltronas escuras e altas em
semicírculo, nem os próprios integrantes do grupo. Chegavam ao posto por indicação dos chefes dos
antigos clãs do oeste e apenas esses sabiam seus nomes. A cada um cabia alcunha
secular dada ao cargo: a perfeição, o rei, o belo, o impar, o conquistador, o
oculto, o mago, o viril e o juiz. Cada alcunha impregnada de fardo e glória. O
único a mostrar a face era o belo, sendo assim, o porta-voz do conselho. Não
havia ordem hierárquica e só através de unanimidade tomavam decisões. Acontecimento
esse ainda não registrado desde a criação das nove cadeiras.
continua ...
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