As tensas horas
anteriores ao sol lembravam-no das trevas em seu passado. A luz baixa do poste
decrépito lavava seu rosto de um amarelo assombroso. Olha direto para o ponto
luminoso esperando os olhos cansarem ou a luz recuar. O tímido e velho poste
oferece um ultimo refúgio de luz frente o mar de negro, estendido logo a frente,
até seu destino. A remota saída da cidade se apresenta e nenhum arrependimento
consta no caminho.
Solitário adentra a
escuridão reinante. Anda em noites comuns carregando certo aspecto épico de fim
dos tempos. Preparado para dar o ultimo passo a cada instante. Levanta o queixo
altivo, fixando os olhos no horizonte escuro, ouvindo o zumbir distante da vida
se rastejando a produzir um tom salgado, severo e profundo muito repetitivo. O
retumbar da existência num eco seco, constante, irritadiço rasgando a sanidade
de qualquer frade.
Desejou lembrar uma
primavera há muito perdida. Algo infantil enterrado por anos compridos. Uma
leve paz de espírito lhe acometeu, nada além. Essa era a impressão que restara
da infância. Uma paz de espírito. Alguns desejos repetidos. Uma musica boba. E
uma primavera perdida.
Leva-o, o ar, a benção
da noite fria acalmando seus músculos e o toque triste da esperança. Também
nesse ar há presença do medo cravado na incerteza. Toda raça teme o incerto do
crepúsculo e espalha na noite esse medo inconsciente aromatizando o vento.
“Ventos que cheiram medo”, pensa. Segue o rastro desses, pois tenciona conhecer
os medos todos. Desejo, do fundo d’alma, temer também, pois desde sempre não
conhece tal sentimento.
Enfrentou o vento.
Varava-o altivo em busca de algo a temer. Cruzava terras hostis sem destino, cuidado
e nome. Jamais homem qualquer pôs nele vestígio de medo, seja Deus ou mortal.
Em seu intimo cultiva um
poder tão natural quanto a força nos braços ou a pele na cara. Ainda jovem
sabia dessa habilidade, dessa possibilidade de fazer tudo. Dessa ultra potência
caótica. Sentia-se essencialmente infinito entrelaçado num gigantesco presente
enraizado e vistoso. Assim conhecia o tempo, tirânico em suas decisões e
infinito nas possibilidades. Era eterno.
Pouca ou nenhuma
obrigação conheceu. Esmagou os interditos. Atropelou os recalques. Sobrepôs
toda moral. Transcendeu a simples e banal consciência humana. Esse era seu
triunfo não planejado.
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