Assim sendo, as relações entre os
indivíduos são íntimas. As pequenas e reservadas instâncias da vida íntima são
intensas e o show público se funde com o íntimo. Cria-se a sociedade intimista.
A massa heterogênea de estranhos é
socialmente recalcada. Ao estabelecer uma ligação entre os traços de sua
personalidade e sua intimidade – representada em suas roupas, corpo, discurso,
comportamento – o espectador é inibido ao contato público, pois tende a acreditar
que sua personalidade será revelada. Essa consciência anti-social pública,
porém não anti-sociável, é o que eleva as relações individuais à intimidade.
Os indivíduos não são mais que
atores representando um espetáculo sem arte. Os papéis consistem no conjunto de
ações, atividades, comportamentos que se mostram adequados em determinadas
situações. Sendo assim, o convívio social é um circo que atores interpretam
ações carregadas de valores. Todavia isso não ocorre o tempo todo, e é nessa
cisão que se apóia as diferenças entre ator, sujeito e de indivíduo. Devemos
ponderar ainda que essas duas instâncias não sejam antagônicas, mas sim
complementares. Uma serve a outra e é ao mesmo tempo contida e continente da
outra parte. Sennett afirma inclusive que “os seres humanos precisam manter uma
certa distância da observação íntima por parte do outro para poderem sentir-se
sociáveis. Aumentem o contato íntimo e diminuirão a sociabilidade.” (1998,
p.24).
O silêncio é o agente disseminado
entre as multidões. Atuações vazias em significado e com “um fim em si” começam
a surgir e a ganhar sentido. Temos então uma soma de situações que transformam
a sociedade, Sennett fala a esse respeito:
[...] Numa sociedade íntima, todos os fenômenos
sociais, por mais que fossem impessoais em sua estrutura, eram convertidos em
questões de personalidade, com a finalidade de adquirirem um sentido. Os
conflitos políticos são interpretados em termos do jogo das personalidades
políticas; a liderança é interpretada em termos de “credibilidade”, mais do que
em termos de proezas. A “classe” de alguém parecia ser o produto da condução e
a da habilidade pessoais, mais do que uma determinação social sistemática.
Diante da complexidade, as pessoas procuravam algum principio interior e essencial,
luma vez que a conversão dos fatos sociais em símbolos de personalidade só pode
ser bem-sucedida quando as complexas nuanças da contingência e da necessidade
estão retiradas de cena.
A entrada da personalidade para dentro do domínio
público, no século XIX, preparou a base para essa sociedade intimista,
induzindo as pessoas a acreditarem que os intercâmbios em sociedade eram
demonstrações da personalidade, e compondo de tal modo a percepção da
personalidade que os conteúdos dela nunca chegavam a se cristalizar, e desse
modo engajando os homens numa busca obsessiva e infindável de pistas de como os
outros eles próprios eram “realmente”. (1998, p.271)
O aparecimento da neutralidade do
sujeito começa a gerar nas consciências dos indivíduos novas percepções. O
silêncio e o desaparecimento de sinais sociais geram uma incerteza centrada no
individuo. Norbert Elias aborda os princípios dessa consciência silenciosa e
individual:
O que se tornou perceptível na era de Descartes foi um
movimento nessa mesma direção, à medida que o homem ascendia na escada em
caracol. Se as pessoas do nível precedente de autoconsciência se haviam
percebido, em consonância com sua educação ou Estados inseridos num reino
espiritual governado por Deus, passaram então a se perceber cada vez mais como
indivíduos, embora sem perder inteiramente a antiga concepção. A modificação
nos estilos de vida social impôs uma crescente restrição aos sentimentos, uma
necessidade maior de observar e pensar antes de agir, tanto com respeito aos objetos
físicos quanto em relação aos seres humanos. Isso deu mais valor a ênfase à
consciência de si mesmo como individuo desligado de todas as outras pessoas e
coisas (1994, p.91)
Todos esses trâmites são
conseqüências e só foram possíveis por meio do processo modernizador. A
modernidade foi marcada por uma história de desencantamento do mundo pelo
sujeito, onde ele afastava-se de Deus, ele transcendeu a idéia teocêntrica onde
sua existência só tinha sentido com um fim em Deus. Sendo assim, ele foi jogando
pra dentro de si. Sua existência tinha um fim em si próprio. O homem voltou
para o mundo tendo uma visão de ser incluso no mundo, agente transformador e
transformado.
Esse desencantamento do
mundo, a quebra do véu de significados que envolviam a existência deixou o
homem a mercê de si próprio. É nesse contexto que ele volta-se para uma
formação mais humana. Porém o processo modernizador não foi fielmente
concluído. A formação humana foi racionalizada e mais tarde instrumentalizada
afastando novamente o homem do homem. A razão iluminada passa a ser a razão
técnica.
E assim segue.
Nascemos num mundo transtornado em vórtex de egocentrismo alienado. Vivemos para um EU que nem conhecemos. Tristes dias.
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