Após sua passagem pelas quedas de água da
fúria algo acendeu em seu intimo. Passou a viajar com o espirito acesso de
serenidade. Um contraste aguçado pelo vento forte lhe soprando as vestes. Andou
algumas horas sem rumo exato. Sobreviveria facilmente naquele lugar uma vida
inteira se assim desejasse, era farto e fértil. Suas habilidades de caça lhe
dariam recursos além do necessário.
O sol ainda
alto lhe batia à face esquerda ofuscando parte de sua visão quando ouviu ao
longe um som estranho. Jamais ouvira nada parecido. O gemido lembrava o choro
de um pássaro grande numa melodia fora do comum. O volume intenso
intercalava-se com pequenos silêncios rápidos, formando algo tão lindo quando a
cantiga dos antigos que ouvia em sua terra natal. Aproximou-se curioso. Nunca
havia ouvido um som tão esplendoroso e ritmado na vida. A musica dos antigos
era triste e marcial, envolvida em cerimônias lentas e veneráveis. Esta era
rápida e alegre.
Então incontáveis
baques surdos romperam ao chão. Os choques seguiam a musica do choro do
pássaro. Ainda não conseguia ver, pois tudo estava dentro de uma mata ao lado
da estrada. Esqueceu da estrada, da cachoeira, dos campos tristes do sol, de
sua jornada e ficou encantado enquanto ouvia a mais bela sinfonia existente.
Parou de
solavanco junto do silêncio. Tudo emudecera e ele ficou afoito por saber qual a
origem da melodia agora morta. Ao dar seu primeiro passo decidido em investigar
a situação, o som retornou envolvente. Várias palmas marcaram um ritmo
frenético que recomeçara. E o pássaro que gemia e chorava para alegria dos
demais estava agora furioso em seu canto. Piava agudo trocando a intensidade do
som rapidamente, acompanhado pelas palmas frenéticas de umas dez pessoas. Já
podia ouvir risos e conversas. Apurou o passo puxado pela música e pela
curiosidade. O sol novamente encheu sua vista quando saiu numa clareira larga
onde muitas pessoas dançavam e bebiam.
Deitado
confortável em almofadas postas a beira de um grande barril, com roupas extravagantes
num tom verde musgo um homem magro e narigudo apertava e beijava um pedaço
roliço de madeira com alguns furos produzindo o gemido do pássaro e as pessoas
a sua volta riam e bebiam animadas. Não eram muitas e não pareciam preocupar-se
com os perigos da floresta ou do mundo.
A melodia um
pouco mais calma tranquilizou seu espirito. O senhor narigudo tinha longos
cabelos brancos e falava através da madeira que beijava diretamente à alma dos
presentes.
Observou
atento os movimentos dos dedos do homem. E sentou-se para descansar ao seu lado
quando novamente a música acelerou e ele foi arrastado para o meio dos demais.
Uma mulher estranha lhe agarrou pelo braço e jogou-o rodopiando para o centro
da roda. A musica preenchia de sentido e significado algo que pareceria loucura
para qualquer um. Homens e mulheres girava e pulavam, balançavam os braços
acenando e rindo. Ele apenas deixou-se levar. Esteve livre por alguns
instantes, livre em seu interior profundo. Mesmo sendo controlado pelos dedos
do homem deitado, aquela sequencia de fatos o deixou feliz, aliviado e livre.
Saiu da roda
de dança tonto e caiu ao pé de uma arvore. Dormiu feliz sem mesmo dizer palavra
a nenhum presente. E sonhou coisas belas em seu leito de madeira e grama tão
confortável quanto os aposentos de qualquer rei.
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