sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O RIACHO DAS ALMAS IGUAIS



Acabei de escrever mais um pedaço dos contos que postei aqui há alguns dias. Apesar de essa não ser sequência do que foi postado, acredito que ficou interessante. Adaptei um outro texto que já tinha escrito e achei bom =D Ainda nem revisei, fiquei ancioso pra postar! Quem sabe tenha algum erro ainda e provável que mude algumas coisas. De qualquer maneira fica ai pra vocês darem suas opiniões. A história tem míseras 10 páginas, gostaria de escrevê-la com mais frequencia mas ando cmo um pouco de receio de estragá-la. Vai indo assim por enquanto. Em breve usarei minhas ultimas referências nela e posto aqui as novidades. Espero que gostem! Abraço.

           Sem descanso partiu daquela terra sofrida. Carregando uma ponta de suas desgraças. Lavou-se no córrego, mas a lama interior não o abandonaria. Rumou com a estrada sem destino certeiro. Voltou a acompanhar o curso do rio o peso amargo de sua consciência não o deixou ver o sol novamente naquele lugar. Partiu com remorso e vergonha do acontecido àquela terra.
Solitário avança sobre a escuridão da madrugada. Anda em noites comuns carregando certo aspecto épico de fim dos tempos. Preparado para dar o ultimo passo a cada instante. Levanta o queixo altivo, fixando os olhos no horizonte escuro, ouvindo o zumbir distante da vida se rastejando a produzir um tom salgado, severo e profundo muito repetitivo. O retumbar da existência num eco seco, constante, irritadiço rasgando a sanidade de qualquer frade.
Desejou lembrar uma primavera há muito perdida. Algo infantil enterrado por anos compridos. Uma leve paz de espírito lhe acometeu, nada além. Essa era a impressão que restara da infância. Uma paz de espírito. Alguns desejos repetidos. Uma musica boba. Um inverno perdida.
Leva-o, o ar, a benção da noite fria acalmando seus músculos e o toque triste da esperança. Também nesse ar há presença do medo cravado na incerteza. Toda raça teme o incerto do crepúsculo e espalha na noite esse medo inconsciente aromatizando o vento. “Ventos que cheiram medo”, pensa. Segue o rastro desses, pois tenciona conhecer os medos todos. Deseja, do fundo d’alma, temer também, pois desde sempre não conhece tal sentimento.
Enfrentou o vento. Varava-o altivo em busca de algo a temer. Cruzava terras hostis sem destino, cuidado e nome. Jamais homem qualquer pôs nele vestígio de medo, seja Deus ou mortal.
Em seu intimo cultiva um poder tão natural quanto a força nos braços ou a pele na cara. Ainda jovem sabia dessa habilidade, dessa possibilidade de fazer tudo. Dessa ultra potência caótica. Sentia-se essencialmente infinito entrelaçado num gigantesco presente enraizado e vistoso. Assim conhecia o tempo, tirânico em suas decisões e infinito nas possibilidades. Era eterno.
Pouca ou nenhuma obrigação conheceu. Esmagou os interditos. Atropelou os recalques. Sobrepôs toda moral. Transcendeu a simples e banal consciência humana. Esse era seu triunfo não planejado.
Ladeou o córrego acompanhando seus sussurros. Sussurro desparelho crescendo incomodamente. Essas águas conhecem sangue. Deve ser o sarcófago ingrato de heróis ou vilões de batalhas. Elas não segregam mercenários ou paladinos, abrigam almas e decompõem corpos justamente, o rio das almas iguais. Conhecia aos poucos um mundo vil e com força com força o odiava.
Há certo ponto a correnteza avolumou debatendo e saltando por sobre pedras inconvenientes. Saliências ganharam vida. Entrou novamente na água. Uma força indiferente o abateu, em profundidade rasa molhou as pernas e a água reclamou seu espaço lhe empurrando para fora. Retomou seu caminho confuso até encontrar, já com amanhã alta, uma queda alta. Contornou-a por uma trilha ruim e desceu cerca de dez metros onde outra batalha se abatia. As rochas cinzentas apanhavam das gotas com uma fúria invejosa.
Às margens campos e mata rasteira. Uma névoa agitada umedecia sua lamina branca e todo seu corpo. A natureza se agigantava exibindo sua potência e beleza. O ambiente sugeria a imaginação das voltas das águas nas pedras e impunha respeito. Ali teve seu primeiro contato com o medo. Soube, com certeza absoluta, jamais teria ímpeto, energia, sagacidade, potência ou qualquer tipo de força física, psíquica ou sobrenatural para fazer face à essa força natural. Tão simplória e descomunal. Considerou quantas mais cachoeiras existiriam, e essa, com apenas alguns metros com tal imponência. Excitou-se por sua impotência e por ali conhecer, parado ante a minúsculas gotas em queda, o significado do medo, procurado por tantos anos.
Adentrou a água. Juntou sua vontade, excitação e coragem e foi. Quem sabe seu destino não seja o mundo dos homens insignificantes e sim este. Violou a serenidade dos campos da beira. E com muita dificuldade atingiu um ponto de quebra. Sua admiração o levou a buscar harmonia, mas impossível foi tal feito. Uma ardência lhe correu o sangue, a adrenalina lhe ganhou o cérebro. Êxtase sentiu ao ser empurrado, bombardeado fortemente por pequenas porções de água. Sacou a lâmina, arreganhou os dentes, franziu o cenho e grunhiu em fúria inserindo seu gemido gutural ao constante som irritadiço do rio das almas iguais.
Aprendeu então duas coisas: o medo e a verdadeira fúria. A fúria constante, implacável, monstruosa posta em cada minúscula gota. Guardou em seu intimo profundo esta fúria. Imprimindo meticulosamente em cada olhar que daria dali em diante. Soube medi-la. O medo ficou claro. Despertou-o para um estado de alerta eterno. Senti-lo-ia certamente. Pois enquanto a fúria lhe fosse visível nos olhos o medo carregava seu coração.